domingo, 11 de novembro de 2007

Perto do coração selvagem

"...Será um pouco disso o que sempre me faltou? Por que é que ela é tão poderosa? O fato de eu não ter tido tardes de costura não me põe abaixo dela, suponho. Ou põe? Põe, não põe, põe, não põe. Eu sei o que quero: uma mulher feia e limpa com seios grandes, que me diga: que história é essa de inventar coisas? nada de dramas, venha cá imediatamente! - E me dê um banho morno, me vista uma camisola branca de linho, trance meus cabelos e me meta na cama, bem zangada, dizendo: o que então? fica aí solta, comendo fora de hora, capaz de pegar uma doença, deixe de inventar tragédias, pensa que é grande coisa na vida, tome essa xícara de caldo quente. Me levanta a cabeça com a mão, me cobre com um lençol grande, afasta alguns fios de cabelo de minha testa, já branca e fresca, e me diz antes de eu adormecer mornamente: vai ver como em pouco tempo engorda esse rosto, esquece as maluquices e fica uma boa menina. Alguém que me recolha como a um cão humilde, que me abra a porta, me escove, me alimente, me queira severamente como a um cão, só isso que eu quero, como a um cão, a um filho..."

Clarice Lispector

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